Foi numa sexta-feira, dia da semana que meu amigo Raul chama de “mais ou menos sábado”.
— Reparem: na sexta já não fazemos planos de trabalho, só de diversão — justifica ele. — O cinema, o almoço na churrascaria, o futebol. Há, portanto, no movimento das ruas e no frescor de todos os rostos, uma sensação de sábado. Quase.
Era como vivíamos aquele fim de tarde de maio, o mais belo e um dos mais tristes meses do ano. Estávamos no Café Severino e éramos cinco pessoas: Raul, Carla e o marido, Gabriel, eu e Saulo, 70 anos, um amigo paulista que nos visitava. E foi ele quem inspirou esta crônica, quando subitamente confessou:
— Estou amando!
Diante do nosso olhar surpreso, completou:
— Estou amando como nunca amei!
Nossa surpresa aumentou, já que ele vinha carregando uma viuvez sofrida havia mais de dez anos! Continuou:
— Parodiando Drummond, posso dizer: na curva perigosa dos 70 derrapei neste amor.
—Você com vinte anos de vantagem sobre o Drummond — disse eu —, que escreveu esse verso aos 50!
— Pode contar ou ainda é segredo? — quis saber a Carla.
— Posso contar, e vou apresentar esse meu grande amor a vocês, já que ela ficou de vir me buscar daqui a pouco.
— Ela é carioca?
— Paulista. Viemos para o fim de semana no Rio. Estamos juntos há quase um ano.
— Que idade tem?
— Cinquenta. Nunca pensei que amar fosse tão bom!
Todos ali eram mais novos do que o Saulo. E eu, o mais velho entre todos. Não tenho essa experiência dele. Meu último amor — digamos assim — aconteceu quando eu tinha menos de 50 e dura até hoje, mas entendi o significado do que ele queria dizer. Aos 70, ganhar e perder passam a ter novas cores. Como a dor das perdas que sofremos, o dia do nosso aniversário que se repete e quando pensamos, em meio aos abraços e votos de felicidade: “Até quando?”. O nascimento
de um neto que é quase certo que não veremos na idade adulta. Enfim: quando a morte estiver entre os pensamentos do dia a dia, constante e definitivamente instalada entre nós, como a parceira que nos abraça e não nos larga mais.
— Pense na vida, meu filho — dizia minha mãe, aos 90 anos.
E eu pensava na morte, a maneira mais fiel de pensar na vida.
Uma hora depois, o grande amor do Saulo entrou no Severino para buscá-lo. Ele apresentou:
— Sílvia, meu grande amor.
Era franzina. Mignon, como dizem os franceses. O sorriso tímido e sincero, a voz um pouquinho rouca.
— Vamos, meu bem, a sessão de cinema é às 6 — disse ela.
— Meus amigos, amor não é coisa para a juventude. Amor é para profissionais — falou Saulo, já de pé, pronto para sair.
E, sob a inspiração de Drummond, nosso poeta maior, disse dois versos — o que abre e o que fecha o soneto Amor e Seu Tempo:
Amor é privilégio de maduros.
Manoel Carlos
Clau Srt
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